quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A menina e os pombos

lá está ela, como todos os dias: 
a menina dos pombos que mora na esquina. 

eu não sei o seu nome, 
mas sei seu rosto, 
seu posto, 
seu gosto. 

seus cabelos brancos e as rugas 
espalhadas ao redor de seu sorriso 
enganam os distraídos 
que passam por ali. 

e eu a observo de dentro do carro 
parado 
no trânsito 
- não quero dali sair.

descalça e despreocupada,
com camisola rosa desbotada,
ela limpa a calçada.

com uma mão segura a vassoura
e a outra coloca nas costas que doem um pouco.
ela pega um saco com grãos,
milho ou farelo de pães
- não consigo distinguir.

e a avenida toda vira seu quintal!

– estou parada no farol
que logo vai se abrir.

os pombos já estão a postos,
nos postes,
dispostos
como todos os dias:
pontualmente, de repente,
aqueles pombos
tontos,
zonzos
nos fios de eletricidade aparecem
para fazê-la sorrir.

com suas mãos cansadas,
trêmulas e faceiras,
a menina começa a brincadeira:

joga os grãos pelo chão
como se fossem um não
para o trânsito em frente a sua casa
que ela prefere nem ver.

e os pombos,
marotos
garotos,
se jogam pela calçada
e se fartam do que a menina tem a oferecer.

se alguém pela calçada passa,
os pombos, em massa,
para o fio correm a se esconder.
e a menina,
que adora e acha graça,
de novo grãos espalha
e os pombos voltam a comer.

quando eles terminam
a brincadeira finda.
qles voam na mesma hora,
e como vieram, vão embora
deixando a menina com as pernas cansadas
pelo tempo em pé que ali passara.

ela entra em sua casa
- criança realizada!
e o dia passa
a espera da próxima manhã
para a brincadeira de novo acontecer.

e eu continuo meu caminho,
lembrando-me da menina dos pombos
que mora na esquina
e dos pombos da menina
que todos os dias
não me canso de ver.

(14/11/2013)

quarta-feira, 13 de março de 2013

Hannah

I’m gonna write for you, little Hannah
Just to say how important you are
And each letter I’ll put on the paper, kid Hannah
Will be just to make you fly

I’m gonna be your friend, sweetie Hannah
Just to hear your feelings - that you don’t even know which are
And I’m gonna read your texts, honey Hannah
Trying to discover who you really are

I’m gonna give you my lap, baby Hannah
So you can cry and sleep well
I’m gonna save you, angel Hannah
Taking you out of this hell

I’m gonna pray for you, darling Hannah
Just for everything be all right
And I’m gonna offer you some coffee, dear Hannah
To give you strength to fight

I’m gonna give you good reasons, precious Hannah
For laughing and forgetting the bad times
And I’m still gonna be your love, child Hannah
As long as you wanna be by my side

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Ela cidade grande, ele interior

era um moço e uma moça.
ele um menino moço,
ela uma moça mulher.
tinham a mesma idade,
tinham vidas diferentes.

um dia o moço encontrou a moça pela internet
e decidiu chamá-la para conversar.
ela desandou a falar.

ela cidade grande,
ele interior.
ela vermelho,
ele azul.
ela gavião,
ele porco.
ele Darwin,
ela Shakespeare...

mas o papo era longo,
os risos, bobos,
a saudade, tamanha,
as noites, sem sono,

e a espera. 
e a vontade:
ele queria,
ela também.

encontro marcado.

moço e moça
e o desconhecido.
estavam apaixonados
e era pelas ideias,
pelos sonhos,
pelas escolhas um do outro.

suas almas se amavam,
seus corpos não se conheciam.

o moço e a moça estavam juntos,
e dessa vez não era virtual:
os olhares se conheceram,
as bocas se conheceram,
as mãos se conheceram.

era estranho.
não era a química que virava amor,
era o amor virando a química

mas ela queria,
ele também.  

havia ainda obstáculos:
viagem longa,
dinheiro curto,
meses lentos,
encontros rápidos,
amor bastante,
tempo pouco.

era amar em conta-gotas,
a contar horas,
a contar dinheiro,
contar com a sorte.

foi então que a moça,
querendo o moço,
e o moço,
querendo a moça,
resolveram ficar juntos
– ainda que distantes,
por todo o tempo
que o querer durasse.         

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Regras de etiqueta para viver um dia ruim (cuidado: texto de autoajuda!)

O fato é que alguns dias são ruins, e isso é igual pra todo mundo. Minha sobrinha de 5 anos tem dias ruins, o cachorro da vizinha tem dias ruins, e até as coisas, às vezes, parecem ter dias ruins (como aquele porta retratos que insiste em cair, ou as flores, as cores, os elevadores que murcham, desbotam, quebram).

O que fazer então, quando um dia ruim acorda cedo e vai com você para o trabalho?

A regra é simples: o dia ruim é seu e, por isso, você pode fazer o que quiser com ele!

Uma opção muito fácil seria disfarçar e não permitir que ninguém soubesse, afinal de contas, as pessoas ao seu redor não têm culpa por ter acordado assim, cada um tem seus problemas e seus dias ruins e, nem por isso, saem descontando em todo mundo. Poderia sorrir, mesmo querendo chorar porque se atrasou, bateu o dedinho do pé na beira da cama, o chuveiro queimou, a gasolina do carro acabou e a conta do cartão de crédito chegou; poderia ficar quieta, mesmo querendo gritar com todos os que estão sorrindo à sua volta: o chefe, o professor, o marido, a mãe; poderia ouvir uma música alegre e que sempre te deixa feliz quando ouve, e te faz esquecer de tudo; poderia comer chocolate, tomar sorvete, beber à noite com os amigos, se concentrar no trabalho, nos pássaros, nas crianças para distrair e tentar mudar este dia ruim...

Mas, se você está tendo um dia desses, por que não deixar o dia dos outros ruim também?

Comece não desejando “bom dia” a ninguém! Reclame sozinha – mas alto, para que as paredes, janelas e colegas de trabalho escutem. Além de gemer de dor - física ou mental - e utilizar o teclado do computador como instrumento musical, fazendo ecoar pelo ambiente o som doce de seus dedos respondendo um inocente e-mail.

Use a sua cara mais feia, aquela com expressão de dor, misturada com raiva, tristeza e muita, muita autopiedade – até porque é preciso ficar muito claro ao mundo que está tendo um dia ruim.

Espere que ninguém tente te agradar, ou que tente (não sei bem o que é melhor – ou pior). Se alguém tentar te agradar, oferecendo-lhe chocolates, olhares compreensivos e boas piadas para te distrair, esforce-se para não gostar. Rejeite o chocolate, desvie o olhar e controle a risada. Agora, se ninguém tentar te agradar, seu dia ruim se tornará péssimo, pois isso indica que ninguém notou o seu humor, apesar de tê-lo mostrado de todas as maneiras possíveis. Ou então notou, mas não se importa!

Ao almoçar reclame da comida, das pessoas no restaurante, do restaurante e do sol. Sim, o sol. Como o sol ousa aparecer num dia desses? O sol, assim, tão feliz, tão quente, tão amarelo! Não tem nada pior do que um dia quente e amarelo de sol num dia ruim. Bons mesmos são dias de inverno com chuva. Isso sim é cenário para um dia ruim. O cinza, o chão molhado, o frio. Além de reclamar do sol, feche as cortinas e ligue o ar condicionado. Deixe o ambiente bem gelado e escuro. Não se importe se as pessoas ao seu redor querem ou não que o ambiente esteja assim.

Após um longo dia tentando dividir com as pessoas a sua volta um pouco do seu dia ruim, de ter conseguido deixar o clima de seu trabalho pesado, as pessoas distantes, de não ter visto todas as coisas boas que aconteceram ao seu redor... você deve chegar em casa satisfeita e mais leve, afinal de contas, você deixou todo o seu mau humor no ambiente em que estivera o dia todo. Jante, tome um banho relaxante, ouça uma música boa, ou assista TV, ria um pouco e vá dormir.

No dia seguinte, espere que o dia ruim não esteja em seu quarto novamente, que as pessoas do seu convívio tenham entendido que tudo não passou de um dia ruim na sua vida, e que você até é uma boa pessoa, apesar de ter se comportado de tal maneira no dia anterior, se dando o direito de “enfiar goela abaixo” de todos o SEU dia ruim, e então tenha um bom dia...

até que o próximo dia ruim chegue, pois o fato é que alguns dias são ruins, e isso é igual pra todo mundo. 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sobre estar triste

Estou triste, e as pessoas continuam trabalhando a minha volta. Eu mesma estou trabalhando em volta da minha tristeza, ou em cima dela, talvez debaixo. Os carros continuam buzinando, o telefone tocando, o dia passando... Nada muda só porque estou triste. Mas devia. Devia porque estar triste é meu direito. Quero deitar na minha cama, colocar uma música, apagar a luz e curtir a minha fossa. Mas já são 14h e nada mudou só porque estou triste. E ninguém nota. Não notam porque não me olham nos olhos. Olham pro meu cabelo, pra minha roupa, pra minha tela do pc, mas não nos meus olhos - meus olhos sempre contam quando estou triste. Estou triste e as pessoas continuam rindo, o céu está bonito e tem flores lá fora, posso vê-las daqui. Estou triste e as pessoas têm fome, têm raiva, vão às compras. Ninguém percebe que estou triste? Estou triste e os bancos funcionam, os ônibus estão cheios e tem jogo na TV.

Parem tudo! Me deem uma folga, umas férias, um remédio, um café
Um colo
Um abraço

Estou triste.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Abraço


-          Qual é o verdadeiro tamanho de tudo?
-          De tudo o quê?
-          De TUDO! Posso alcançar tudo? Agarrar? Pegar? Abraçar?
-          Acho que não.
-          Por que não?
-          Porque você não consegue. Ninguém consegue.
-          Mas eu quero tudo!
-          Tudo?
-          Tudo!
-          Bom, de repente, se você abrir bem os braços, consegue.
-          Será? Você já tentou?
-          Não.
-          Por que não? É uma boa ideia.
-          Boa pra você. Pra mim não.
-          Você não quer TUDO?
-          Nunca pensei nisso.
-          Pois devia. Tudo é muito bom.
-          Mas... o pouco já me faz feliz.
-          Isso porque você nunca pensou no tudo.
-          Pode ser.
-          E se nós dois abríssemos os braços? Teríamos mais chances de conseguir abraçar tudo.
-          É.
-          Vamos?
-          Vamos!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Crônica: O banheiro

Era só mais um dia. E tudo parecia bem. O ônibus não estava cheio, o trânsito não estava ruim, o tempo não estava nublado, eu não estava atrasada. Subia aquela rua como todos os dias - aquela do chique bairro de São Paulo. Rua arborizada, rodeada de prédios luxuosos. Pessoas elegantes passavam pela rua, estacionavam seus grandes e caros carros, passeavam com seus cachorros de raça, falavam ao celular. Crianças saiam da escola e adolescentes descolados andavam aos bandos com suas gírias descoladas em seus papos descolados.
Uma grande subida. Eu subia a rua feliz até o momento do encontro. Um inesperado encontro. A minha sensação de bem estar fazia parte da grande ironia daquele encontro.
Ela estava lá, na calçada, à direita de quem sobe. Não esperava por mim, assim como nunca devesse ter esperado por muita coisa na vida. Todos passavam por ela e pareciam não notá-la - não a notavam de fato.
Já faz tempo este encontro e o tempo não me permite lembrar detalhes de seu rosto. Mas lembro-me de seu cabelo curto, de sua idade não muito avançada, porém o suficiente para ter sofrido muito até ali. Era magra – e não podia ser diferente em suas condições de vida, ou de não-vida. Suas roupas surradas e sujas. O mundo acontecia ao seu lado, em sua frente, sobre sua cabeça, e ela ali, correndo para trás de uma perua escolar, encostada no muro da escola. Vivia no seu mundo particular para o qual fora escorraçada e que agora parecia ter se adaptado. Abaixou as calças e defecou.
A cena parecia uma pintura na minha frente. Entre prédios luxuosos e uma escola, grandes símbolos de uma sociedade que se acha em desenvolvimento, como se fosse invisível, aquela mulher defecava. Ninguém via!
Por alguns segundos tudo parou de acontecer ao meu redor. Esqueci o horário, o bem estar de ainda há pouco. Ela não me notou. Por que havia de se importar com alguém? Fez o que precisava fazer e saiu. Não lembro se subiu, se desceu. A única cena que via era a cena dela defecando.
Pensei em tanta coisa naquele momento. Nas famílias ricas que circulavam aquele lugar e que consideravam suas fezes um produto sigiloso, quase sagrado, assunto sobre o qual as regras de etiqueta não permitiam que fosse tratado por mais de duas pessoas que não fossem médico e paciente. Nos professores daquela escola, tão preocupados em ensinar sabe-se-lá-o-que, enquanto seus alunos passavam por aquela cena sem ao menos enxergá-la. Em todas as pessoas, inclusive eu, que andavam por aquela rua há tempos, sempre observando a limpeza e a arborização da impecável passarela da individualidade.
Ela sumiu. Ela só queria cagar. Eu continuei subindo. Cheguei ao meu serviço sem me atrasar. Nunca mais a vi. Mas hoje reconheço que ela, talvez sem a noção exata ou nenhuma do que fizera, tinha rido da cara desta sociedade que outrora - e toda hora - a joga para a sarjeta. Cagara às suas vistas - mesmo que estas sejam quase cegas - e debochara, se vingara. De tantos lugares que ela tinha para defecar, escolhera, talvez, o mais sujo de todos. O lugar em que a sujeira está escondida, camuflada, bem-vestida, arborizada.